quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Grandes escritores, maus leitores

Havia um escritor que escrevia, escrevia, mas não conseguia acabar qualquer capítulo.
Teimosamente, lia e relia o que escrevia, e parecia não sair do sitio.
Sempre que acabava de ler uma página, acrescentava algo de novo, mas de nada lhe valia, pois não conseguia seguir em frente e escrever novas páginas, mantinha-se preso às primeiras.
Tinha algo por resolver em cada uma, era o que pensava constantemente este escritor, sempre que lá voltava, parecia que as palavras já não faziam sentido ou estavam mal arrumadas.
Sempre a mexer, há um dia que decide não voltar atrás, e continua a escrever, mas nessa fase as páginas não pareciam dar continuidade à história, as palavras só atrapalhavam, como se um raio de sol tivesse sido interrompido por uma nuvem ou um sorriso por uma tristeza.
Desgastado desta confusão, sentindo-se de rastos e angustiado, falta-lhe o ar e as palavras certas, bate no fundo e acorda do pesadelo.
Decide fazer algo novo, algo diferente, escolhe seguir em frente, mas não o sabe fazer sozinho.
Abandona tudo e vai assistir a uma peça de teatro, onde descobre um contador de histórias brilhante. 
No final não resiste e procura o ator, com quem fala, acabando por ser surpreendido pela sua clareza e capacidade de desvendar um pouco da história de cada um.
O facto deste ator personificar vários papeis, permite-lhe descodificar cada palavra com genialidade, como se antecipasse cada capítulo que ainda não havia sido escrito. 
É neste momento que o escritor percebe o receio de dar passos no desconhecido, mas é esse mistério, muitas vezes, porta que revela a pessoa que escreve e as palavras que nunca colocou no papel. É esse desconhecido uma surpresa a descobrir.
No teatro, para que cada cena faça sentido é necessário fechar a cortina no final de cada ato, só assim, surgirá nova cena e com sentido renovado, também este escritor teria de arrumar as palavras de cada capítulo de forma definitiva e seguir para o seguinte. 
Só quando toda a obra estivesse escrita a deveria ler. 
O mais certo é que tudo faria sentido, mesmo ficando com a sensação de que outras palavras se poderiam ter escolhido, mas, para aquela história, eram as palavras certas.

Este escritor conclui que é grande a escrever, mas pequeno a ler.

Até já! (E se o livro se chamar vida?)

Sem comentários:

Enviar um comentário