A comunidade de Taizé é aquele local que "Deus quis, o Homem sonhou e a obra nasceu" (Fernando Pessoa). Impulsionado pela vontade de Deus, surgiu o sonho do Irmão Roger, para quem era essencial criar um espaço “onde a bondade do coração e a simplicidade estivessem no centro de tudo”. O sonho concretizou-se nesta comunidade ecuménica, onde, jovens dos quatro cantos do mundo são desafiados a viver uma semana fundada no Evangelho, através da vida em comunidade, simplicidade, oração e silêncio. Em elevado número, alunos do Secundário de Viseu, Santarém, Coimbra, Aveiro, Porto, Sintra, Amadora, Braga, Lisboa, Guarda, Vila Real, Portalegre Castelo-Branco e Leiria-Fátima, responderam “sim” a este apelo juntando-se, no inicio da quaresma, a outros jovens vindos de França, Itália, Austrália, Polónia, Alemanha, Holanda, entre outros países.
Alguns destes alunos ainda hoje não sabem bem o que significaram aqueles dias, mas isso é extraordinário. E a resposta a esta genialidade vem da matemática, pois é das incógnitas que se chega à solução, às respostas que darão um sentido real para o que se viveu e sentiu. Uma coisa é certa, a surpresa invadiu muitos destes corações, deixando-os inquietos e serenos em simultâneo.
É bom rebobinar o filme e recordar que em cada manhã, antes de almoço e após o jantar, todos acorriam à oração em resposta aos sinos. Ou seria em resposta a algo mais? Muitos ainda hoje não sabem colocar em palavras porque é que rezar três vezes ao dia, em comunidade, foi tão bom e fácil. Sinceramente? Aqui as palavras são dispensáveis.
Mas a oração não fez tudo. Foram precisos os momentos de silêncio, que no início não eram nada fáceis, já que o pensamento teimava fugir para o que soava a inconveniente, "
o que devo pensar?", "
quando termina este momento, quero é cantar", "
onde tenho a senha das refeições?", ..., mas com o tempo, o barulho da ausência das palavras foi-se dissipando e o silêncio até parecia querer tornar-se hábito. Alguém disse que silenciar o coração era fácil? Isto de dar voz a Deus e ser capaz de a escutar, precisa de tempo para preparar o espaço do coração.
Também os encontros, as conversas fortuitas e as partilhas nas reflexões bíblicas, foram sementeira. Quantas vezes eram capazes de se rever no que o outro dizia, ou no que o Evangelho anunciava. Chegava a ser espantoso, pela forma como cada som encaixava na vida de cada um.
Se só tivessem havido estes momentos, não teria chegado. Foram necessárias as cantorias no Oyak ou durante o dia. Tamanha alegria são imagem da semana e de tanto amor no coração.
Quanto às refeiçoes? Deixemo-nos de tretas, também elas falavam de simplicidade, por isso uma colher bastava. Tal como dormir em camaratas, no saco cama que cada um trouxe, não foi problema, nem a ausência de internet e de televisão. Esta ausência obrigou cada um a olhar o outro nos olhos e a contemplar cada momento como único.
Podendo parecer fácil, foi uma semana que exigiu um desprendimento dos enfeites e das distrações do dia-a-dia. Ainda assim, estes jovens foram capazes de se abandonar ao que a semana lhes oferecia, conseguindo partilhar de um pedacinho da experiência de deserto com Jesus.
Nos primeiros dias podiam-se ver alguns corações um pouco perdidos, pois estavam a descobrir o lugar, as rotinas e a simplicidade. O silêncio e a oração pareciam ser uma novidade, mas cada um, a seu ritmo, encontrou o seu espaço e deixou que o pouco conduzisse ao essencial. E foi aqui que cada um começou a fazer um caminho pessoal e distinto de todos os outros. Foi aqui que a sementeira começou a germinar.
Pegando na expressão de Fernando Pessoa, e já que este post é a adaptação de outro, porque não dizer que Deus semeou, os "miúdos" cuidaram (cuidam) e o mundo colherá? [Também os "graúdos" estavam como os "miúdos"]
Olhando para trás, passado um mês desde o regresso, revejo esta experiência como se de uma parábola cheia de vida e significado se tratasse. Como uma história cuja pedagogia amolece os corações mais duros e enriquece os mais voláteis. O que ali se via não eram corações estacionados, mas que palpitavam e permaneciam em "ponto morto" a absorver o máximo. Mas também será verdade constatar que se sustinham num impasse, quando cada um tentava saber o que fazer com tanto que estava a viver.
Estes jovens fizeram uma peregrinação pessoal com e para Deus, e se para uns resultou numa experiência de Deus, para outros, poderá ter sido um despertar para o encontro pessoal com Jesus, muito através dos outros, do Evangelho e do modo de vida simples da comunidade de Taizé. Esta semana tocou cada um de modo diferente e suscitou uma experiência pessoal e transformadora.
Na viagem de regresso os alunos puderam partilhar um pouco da sua semana. Se alguns destacaram a simplicidade e a surpresa que foi a oração, outros houve que valorizaram o convívio entre todos, a paz e a serenidade que experimentaram, o facto de sentirem ter crescido na fé e de o perdão passar a ter um significado novo nas suas vidas. Este momento de partilha revelou-se muito enriquecedor, já que o que cada um sentia não era assim tão diferente dos outros, no entanto, o caminho para lá chegar foi, e continua a ser, pessoal.
Taizé é apenas um lugar, mas o que se lá vive é muito especial e profundo. Ir lá só faz sentido quando se regressa, pois é cá, na família, na escola e com os amigos, que cada um tem que ser o “rosto de Jesus”, através de gestos concretos e de um testemunho cheio de alegria. Então, se desta semana se fizer a sementeira, deixando germinar de uma experiência um encontro que terá frutos, quais serão colhidos no futuro?
Agora é o tempo de fazer crescer o que foi semeado para, na altura certa, alguém colher os frutos, porque outras sementeiras se avizinham e aí, é tempo da lavoura e preparar o terreno, que é o coração, para novas sementes acolher. Será assim toda a vida.
Até já! [ Este texto foi adaptado do post de 20 de fevereiro - "Uma semana, uma experiência, um encontro - Taizé"]